o novo

não me choca mais

nada de novo

sob o sol

apenas o mesmo

ovo de sempre

choca o mesmo novo

Paulo Leminski

O novo não sai de moda. Não poderia ser diferente em se tratando do arauto da paz que bota qualquer bandeira branca no chinelo. O mais eficaz dos placebos para tratar o irremediável! Em tempos de animosidade, nada soa tão bem como o anúncio de novidades, mudanças, o chegar da ventura que tanto se esperou.

Crises são rotina. Esta é a tônica de um mundo que se erige sob contradições. Manda quem pode, obedece quem… não pode. Poder é possuir. Possuir é ter nas mãos o vital para a reprodução material da humanidade. Quem não possui, produz para ter acesso ao que minimamente garantirá sua sobrevivência. Menos são os que possuem, mais os que produzem. A tensão é evidente. Muito embora há quem diga que o sol nasça e brilhe para todos, a realidade insiste em desenhar um cenário bem mais ao sabor de um foglondrino, do que ao calor escaldante do nosso litoral. Certamente o eminente e idílico sol-de-todos deve ser amigável a ponto de estar bem próximo e ser inclusive palpável. A verdade é que quando chega a conta das estripulias dos que mandam para os que obedecem, o pau quebra. Não há aqui obediência passiva. E caso não houvessem mediações que amenizassem estas exacerbações, elas tenderiam para a selvageria, ameaçando a própria existência humana. Assim temos o Estado. Mocinho ou vilão, a verdade é que sua figura acomoda os conflitos, mantendo assim as coisas como estão, ora cedendo mais aos que produzem, ora não. Já sabemos que quem manda dá as cartas. A luta política reclama, consegue migalhas, mas não quebra a banca.

O Estado encara a singela missão de administrar as crises. Como fazer? Simples, deslocar para esta esfera um dos mais antigos e etéreos estratagemas elaborados à luz do mais célebre messianismo marqueteiro, o neo-velho. Lavou tá novo. É só dar um tapa na fachada, afinal quem vai notar rachaduras, infiltrações a afins? Hão de convir que não é preciso muito esforço para puxar na memória quantas vezes ouviu-se o anuncio de um nouveau/neue/new/neo/novo sistema ao longo dos últimos séculos. “Desemprego? Fome? Violência? Corrupção? Todos estão com seus dias contados. Vem aí a nova reforma, um pacote de mudanças saindo fresquinho do forno”. Sim, este é também o bojo de qualquer competição eleitoral, mas perseguindo seu real conteúdo, podemos entender o motivo de ter caído em tal vulgata. Podemos reter de todas estas novas promessas, a ambição de serema remissão de todos os males sociais. A resolução cabal. Desfaçatez que persiste por um prazo de validade cada vez mais curto, pois como sabido, os problemas fundamentais da sociedade não se resolverão meramente por intervenções estatais.

Agora, o ponto que mais chama a atenção é justamente a constituição do paradisíaco novo. Todos os projetos novos bradaram uma maneira de rearticular a luta de classes, mas não pautados no esforço de avaliar os antecedentes históricos bem como os atuais condicionamentos daquele momento específicopara então delinear um caminho ainda não desbravado. Isto seria, ao menos no plano lógico, novo. O novo real é meramente a reaplicação do velho, do que já se esgotou, do que não mais dispõe de condições históricas favoráveis. É o novo anacrônico. O noticiário anuncia “os problemas sociais atingem níveis alarmantes e geram distúrbios”. ‘Às gavetas: se deu certo no passado, dará novamente’ “pensam” os borracheiros engravatados em seu intento de recauchutar a história-com uma técnica bem mais rudimentar que a autêntica borracharia, diga-se de passagem-. É a preconcepção da tragédia. Para os que produzem, grife-se. A pompa de quem pode está a salvo, sua garantia é o arrefecimento das contendas. O custo é o pescoço daquelestais que produzem:afora terem assegurada sua condição subalterna, é certo que recauchutados duram menos.

A bravata da mudança permanece tão viciada no profissionalismo político, que as novidades que urgem na contemporaneidade caminham na direção deliberada da regressão. O novo não mascara suas rugas, tampouco sua nocividade. Haja o que houver de novo, a pobreza não será nova, a fome não será nova, a mordaça não será nova, o sangue não será novo. O novo está a caminho, cada vez mais próximo, com seu fio cada vez mais amolado.A tarefa de eliminaras opressões não se resolverá com um pretenso novo. Saber-se-á o que não deve ser feitona medida em que se avalia os fracassos históricos. O que deve se fazer ainda não é claro, mas certamente não portará as belas fachadas de agora.